De 12 a 15 de junho de 1991, teve lugar, na cidade do México, o II Encontro de Movimentos e Partidos Politicos do Foro de São Paulo. Nesta ocasião, o Foro reuniu 68 organizações e partidos políticos provenientes de 22 países que examinaram a situação e a perspectiva da América Latina e Caribe frente à reestruturação hegemônica internacional.
A ampliação do número de participantes da região se complementou com a assistência de 12 organizações e partidos políticos da Europa, Canadá e Estados Unidos. Com a organização deste Foro, celebrado por convite do Partido de la Revolución Democrática, do México, se dá cumprimento e continuidade às resoluções emanadas do I Encontro de Organizações e Partidos Políticos de Esquerda, realizado ano passado em São Paulo, por iniciativa do Partido dos Trabalhadores, do Brasil, no sentido de aglutinar a um maior número de forças políticas interessadas em discutir a atual problemática latino-americana e na busca de alternativas viáveis para enfrentar o objetivo das transformações que nossas realidades colocam.
O debate realizado neste II Encontro foi franco, aberto, democrático, plural e unitário, com a participação de um amplo leque de forças. Umas têm identidades nacionalistas, democráticas e populares, e várias outras levam estes conceitos até identidades socialistas diversas, estando todas comprometidas com as transformações estruturais requeridas para o cumprimento dos objetivos das grandes maiorias de nossos povos peIl justiça social, a democracia e a liberação nacional.
No curso do II Encontro se analizaram e discutiram os impactos econômicos, políticos, sociais e culturais da crise, produto da imposição dos chamados modelos neoliberais em nossa região. Os participantes intercambiaram opiniões acerca de distintos aspectos que se desprendem da transição democrática; a relação da democracia com a economia e a sociedade, sua vinculação com os direitos humanos, com a soberania e com a não intervenção.
O II Encontro examinou, deste modo, as estratégias democráticas e populares no plano econômico, no político, no social e no cultural, assim como as experiências regionais no âmbito da integração.
Aprovaram-se também diversas resoluções de solidariedade com as lutas dos povos latinoamericanos e caribenhos em defesa da soberania e peIa democracia, o bem-estar social e o desenvolvimento econômico.
Nesse sentido, considerou-se tarefa primordial de solidariedade a defesa da soberania de Cuba e os esforços para frustrar os planos do poder imperialista estadunidense contra a Revolução Cubana. Destacou-se a necessidade de defender as conquistas da Revolução Sandinista, ameaçadas depois da derrota eleitoral da FSLN, de apoiar os significativos avanços democráticos do povo haitiano, encarnadas no Governo do padre Aristide, de solidarizar-se com a luta da FMLN e demais forças progressistas de El Salvador na busca de uma sólida política negociada que erradique as causas da guerra, de apoiar a luta da URNG, da Guatemala, e sua proposta de uma solução política ao conflito armado sobre bases justas, de respaldar a luta pela saída das tropas norte-americanas do Panamá, de assumir a luta anticolonial dos porto-riquenhos e dos demais povos das colônias do Caribe, de rechaçar a intervenção militar que, sob o pretexto da "guerra andina contra o narcotráfico", os EUA praticam na Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, e de condenar as fraudes eleitorais e todas as modalidades de repressão.
Da mesma forma, o II Encontro expressou seu apoio à reivindicação da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, seu respaldo à independência de Martinica e Guadalupe, sua adesão à campanha de solidariedade contra o cólera no Equador, denominada "um barco pela vida", e seu rechaço a todas as medidas de impunidade na América Latina frente aos crimes do militarismo e à violações dos direitos humanos em nosso continente, em particular, as relacionadas com os desaparecidos, assim como ao processo de mudanças e negociação política na Colômbia.
A década de 80, a chamada década perdida para a América Latina, foram anos de crise e reestruturação global da economia internacional, das relações entre as nações e das economias, assim como das relações políticas e sociais dentro de cada país.
Nesta década se produz o desmoronamento dos modelos autoritários do "socialismo real". Na América Latina desapareceram ditaduras militares em muitos países. Nestes e em outros, abriram-se novos espaços de participação política, muitas vezes em democracias restringidas, permitindo a gestação, em meio à crise, de novos movimentos sociais, de ampla expressão popular, lutando por reivindicações econômicas e sociais e pela democracia.
É no marco deste processo que surgem, em alguns países do continente, importantes partidos populares, assim como se fortalecem e adquirem maior base social muitas organizações que desenvolviam suas lutas desde décadas precedentes. O avanço destas forças se expresou, em alguns países da América Latina, na conquista de governos locais, regionais e nacionais.
Globalmente, as forças e movimentos populares, reivindicando ou não o socialismo em seus programas, impulsionaram em seu interior significativos processos de renovação política e orgânica – que deverão ser impulsionados – em crescente articulação com as lutas sociais. Expressão deste processo de renovação é o crescente esforço de unidade, a crítica de
concepções dogmáticas e burocráticas e o combate ao sectarismo.
A profunda reflexão que fazem as esquerdas e todas as forças democráticas latinoamericanas, coloca a necessidade de oferecer à sociedade alternativas concretas na perspectiva das classes trabalhadoras, as forças democráticas e os interesses nacionais, superando assim a simples crítica do sistema capitalista.
As políticas recessivas de inspiração neoliberal aprofundam a crise política e social de nossa região causada pelo capitalismo dependente. Ditas políticas vão destinadas a assegurar a transferência de recursos que a região realiza para cobrir a carga do serviço da dívida externa. Em razão de cumprir com o capital financeiro internacional, os governos latinoamericanos aumentam a descapitalização de nossas economias e os níveis de exploração e miséria das maiorias. Assim, dita política privilegia os mecanismos de mercado, aparentemente livre, para enfrentar os problemas econômicos e a regulação e reestruturação de nossas economias, favorecendo as grandes empresas transnacionais e nacionais que a controlam, em detrimento dos interesses nacionais e populares.
A estratégia predominante se caracteriza pela reestruturação e a redução do papel do Estado na economia, sem colocar sua necessária transformação em função dos objetivos nacionais, democráticos, econômicos e sociais das maiorias. Promove a privatização e acentua a centralização do capital e o predomínio das forças transnacionais na economia, instaurando uma indiscriminada abertura externa e maiores níveis de exploração e opressão da força de trabalho com a redução dos ganhos e salários reais, a desproteção das condições trabalhistas e a diminuição dos direitos sindicais.
Enquanto a participação do Estado foi funcional às necessidades de acumulação do capital, não foi questionada sua participação. Hoje em dia, diante da necessidade de ampliar a fronteira de investimento do capital nacional e internacional, culpa-se o Estado pela crise econômica de nossos países, assim como de supostas "práticas socializantes" na economia, pelo que se coloca sua redução ou seu afinamento para assim apropriar-se das empresas estratégicas e prioritárias de alta rentabilidade que o Estado controlava. Tal situação de privatização relega os princípios de soberania e o cumprimento dos objetivos nacionais em torno dos crescimentos econômicos mais equilibrados e sustentados, já que passa a predominar o objetivo exclusivo da alta rentabilidade. Ele leva a acentuar os problemas existentes com a resultante vulnerabilidade de nossas economias aos fatores externos (maior investimento estrangeira direto, maiores créditos) para o financiamento dos desequilíbrios gerados.
Para ele, promoveu-se a transformação do aparato jurídico-institucional que rege as relações internacionais, entre as quais destacam: a eliminação de barreiras protecionistas que permitiram a industrialização de nossos países; a modificação das leis de investimento estrangeira; a modificação das leis laborais para assegurar uma maior exploração da força de trabalho, assim como a modificação das leis agrárias para reverter os processos de reforma agrária e privatizar o campo. Dito processo compreende, além disso, os recursos institucionais, o uso da violência contra os movimentos campesinos do continente dado o notável peso que eles têm no movimento popular e social.
A imposição do neoliberalismo e suas políticas pró-imperialistas e anti-populares foi possível, em boa medida, devido aos controles verticais e às democracias restringidas predominantes em muitos de nossos países. Neste marco, ressaltam as fraudes e mecanismos eleitorais irregulares, a extensão de práticas venais e corruptas, a repressão aos sindicatos e organizações sociais independentes, o controle da imprensa e os meios de comunicação na perspectiva de limitar os alcances das transformações democráticas, manipular os anseios democratizantes da sociedade, e permitir – com relativa governabilidade – a instrumentação de seu novo esquema de dominação no que se combina o neoliberalismo com o autoritarismo político e um sistema de impunidade para o abuso e a corrupção dos governantes.
Também constituem instrumentos ao serviço do neoliberalismo, a sobrevivência das doutrinas de segurança nacional, a militarização das sociedades e o crescente papel das forças armadas e paramilitares em diversos Estados e governos latino-americanos que se apóiam em estados de exceção e de emergência e reduzem, cada vez mais, os direitos democráticos da população. Desta forma, devemos ressaltar que em diversos países se desenhou estruturas políticas nas que os que são eleitos têm sua capacidade de mandato reduzida, pois se sobrepõem instituições não eleitas às instâncias eletivas, limitando-lhes capacidade de ação para modificar as políticas neoliberais já impostas e transformar ditas realidades.
A reestruturação neoliberal implicou num processo de maior submissão dos Estados nacionais aos interesses imperialistas dos países desenvolvidos, o que se traduziu na perda de soberania, na priorização do pagamento da dívida, na concessão de grandes benefícios às transnacionais e, conseqüentemente, na eliminação de políticas de bem-estar social, na redução do lucro das maiorias trabalhadoras e na pretensão dos interesses das classes médias, dos trabalhadores e dos campesinos.
Na medida em que a política neoliberal fracassou na solução dos problemas econômicos de nossa região e não foi capaz de gerar condições de crescimento econômico e estabilidade, leva a outorgar novas concessões ao capital transnacional: maiores facilidades ao investimento estrangeiro direto, maior abertura econômica, acordos econômicos bilaterais, para estimular o fluxo de investimentos a nossos países e retomar ou impulsionar condições de crescimento que somente passam a favorecer os setores hegemônicos.
As políticas neoliberais levam nossas economias a especializar-se de novo em torno das vantagens comparativas (recursos naturais e processos produtivos baseados no uso intensivo da mão-de-obra) para encarar o processo de competência e de inserção na economia mundial. Ao centrar-se o crescimento nestes setores, acentuaram-se indefectivelmente a dependência e o atraso de nossas economias com respeito à dos países desenvolvidos. Em conseqüência, tal projeto não passa de subordinação das economias latino-americanas ao projeto de reestruturação global que comandam os países desenvolvidos e em especial os setores hegemônicos da economia norte-americana.
Neste projeto, combinam-se novos e velhos métodos de penetração e ingerência, de reestruturação hegemônica dos Estados Unidos com o continente: a "Iniciativa para as Américas", a invasão ao Panamá, para assegurar o controle do Canal e do país, o estrangulamento da Nicarágua por uma guerra imposta, o bloqueio e a ameaça contra Cuba, as intenções de mediação dos processos de solução política negociada na América Central para desmantelar os movimentos democráticos e a preparação da "guerra andina" com o pretexto do narcotráfico.
Todas são medidas para reconstruir na região a zona de dominação econômica e geopolítica dos Estados Unidos, a "fortaleza americana", amarrando os países latino-americanos a uma nova e maior subordinação consentida por seus governos.
É indispensável pensar em nossa alternativa própria, com novas hipóteses e critérios, a fim de evitar que as relações econômicas com os países imperialistas e os mecanismos de mercado aprofundem as diferenças existentes e perpetuem o subdesenvolvimento, a dependência e a integração subordinada e passiva com os países desenvolvidos.
Diante dos enormes desafios que temos pela frente, não podemos pensar que o melhor caminho para os países da América Latina e Caribe seja o de continuar cada um por seu lado, ligados a seus próprios esforços e desatendendo nossas raízes comuns e as condições comuns que hoje vivem nossos países frente ao mundo desenvolvido. A solução de fundo às dificuldades e problemas se encontra hoje na transformação profunda de nossas sociedades e na integração política e econômica da América Latina e Caribe, que foi durante séculos incentivo nas lutas libertárias e constitui agora idéia motora para impulsionar nossa cabal emancipação frente ao processo de reestruturação do capitalismo a nível mundial para poder contribuir a forjar uma nova ordem internacional que respeite nossos valores nacionais e satisfaça as necessidades de nossos povos.
Avançar até essa meta só será possível se for estabelecido em nossos países Estados democráticos e independentes e Governos comprometidos com a transformação, sustentados em um forte apoio e uma decisiva participação de seus povos. Este tipo de respaldo só podem dar, em nossos dias, sociedades justas, democráticas e organizadas.
Em dito processo deverão ter participação fundamental os setores afetados pelo modelo neoliberal, ou seja, os trabalhadores da cidade e do campo, a pequena e média burguesia, os empresários nacionalistas, amplos setores de mulheres e jovens, as nacionalidades e etnias oprimidas, assim como os setores mais desprotegidos da sociedade.
No campo econômico, trata-se de que a organização democrática da sociedade defina as funções do mercado e a participação do Estado na vida econômica. Isso deverá ser feito em uma perspectiva anti-monopolista e de justiça social. Este será um dos conteúdos de nossas propostas democráticas na luta por ser governo e poder.
Sobre essa base se poderá alcançar e consolidar em cada um de nossos países, os objetivos e valores comuns: democracia econômica, política e social; respeito ao voto e à participação política direta e permanente do povo; pluralismo; direitos cidadãos; direitos humanos; direitos sociais; reformas estruturais e reforma agrária; organização democrática e independente do povo; proteção da natureza; respeito e promoção da identidade cultural e nacional dos povos originários de nosso continente; solidariedade social e soberania nacional.
A partir da constatação dos limites dos processos democratizadores na América Latina, os debates do Foro apontaram para a reafirmação de seu compromisso com a democracia econômica, política e social, que consideramos um valor permanente em todos os momentos de luta.
As discussões colocaram a necessidade de articular as dimensões econômica, cultural e social da democracia com sua dimensão política. Os valores de igualdade e de justiça social são assim inseparáveis da liberdade.
Para que esta democracia possa se constituir e desenvolver, é de fundamental importância que os trabalhadores e os setores populares tenham neste processo um papel protagônico decisivo. Uma democracia, como processo aberto de criação de novos direitos incorpora necessariamente reivindicações e alternativas que são apresentadas pelo movimento de mulheres, pelos que lutam pela preservação do meio ambiente, pelos jovens, pelas nacionalidades e etnias – minorias ou não – que sofrem a opressão e discriminação em nossas sociedades.
Ao defender a democracia para a sociedade e para o Estado estamos defendendo a democracia no interior dos partidos, dos sindicatos e de todas as organizações sociais. Neste marco, a educação política é uma necessidade no interior dos partidos, mas particularmente uma responsabilidade destes com a sociedade, o que recoloca os termos em que aquela deve conceber-se e se realizar. Portanto, esta educação política deve contribuir à democratização de nossas sociedades e, de maneira relevante, à de nossos partidos e organizações, trazendo elementos para a geração de uma nova cultura política.
As organizações e partidos políticos que participaram no II Encontro coincidiram na necessidade de continuar discutindo a busca de políticas alternativas aos modelos neoliberais hoje predominantes em nossa região. Nesta busca nos comprometemos a empreender iniciativas políticas em conjunto com partidos, sindicatos e organizações da sociedade civil de outros países e regiões do mundo a fim de lutar por uma nova ordem econômica e política baseado na justiça, a eqüidade e a reciprocidade.
Os participantes deste II Encontro concordamos com uma série de eventos que permitam dar continuidade ao intercâmbio de opiniões sobre a atual temática latino-americana:
1. Um seminário sobre projetos alternativos de integração latino-americana, com a participação de especialistas, sindicalistas e dirigentes políticos latino-americanos (fevereiro de 1992).
2. Realizar o III Encontro dos Movimentos e Partidos Políticos do Foro de São Paulo, para continuar o intercâmbio de experiências e a discussão política e as conclusões geradas no seminário (junho de 1992).
3. Fazer um fórum sobre o diálogo Norte-Sul, a realizar-se em alguma capital européia.
4. Celebrar um fórum sobre América Latina e a nova ordem mundial, a realizar-se nos Estados Unidos.
5. Enviar delegações de destacados dirigentes políticos latino-americanos a distintos fóruns nacionais, regionais e internacionais a fim de apresentar as conclusões de nossos eventos.
6. Estimular, participar e respaldar todos os programas alternativos às comemorações oficiais do V Centenário do denominado Descobrimento da América.
O II Encontro concorda, deste modo, em formar um grupo de trabalho encarregado de consultar e promover estudos e ações unitárias em torno dos acordos do Foro, integrado pelas seguintes organizações:
Partido dos Trabalhadores, do Brasil, Izquierda Unida, do Peru, Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional, de El Salvador, Frente Sandinista de Liberación Nacional, da Nicarágua, Partido Comunista de Cuba, Frente Ampla, do Uruguay, Partido de la Revolución Democrática, do México, Movimiento Lavalás, do Haiti, y Movimiento Bolivia Libre.
México, DF, 12-15 de junho de 1991
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